Real Fábrica do Gelo

Cadaval

Real Fábrica do Gelo

Cadaval

A Real Fábrica do Gelo é um marco singular da arqueologia industrial portuguesa, representando um exemplo notável da tecnologia pré-industrial aplicada à produção de gelo natural. Construída no século XVIII, surgiu para suprir as dificuldades no abastecimento regular de neve proveniente da Serra da Estrela e do Coentral (Serra da Lousã), respondendo à crescente procura de gelo na capital.

O gelo destinava-se ao arrefecimento de bebidas, à confeção de gelados e ao uso hospitalar, sendo especialmente valorizado pelas classes mais abastadas. O hábito de saborear gelados e refrescar-se com bebidas frias terá sido introduzido em Portugal pela corte de Filipe II, oriunda de Espanha, enraizando-se rapidamente nos costumes das elites urbanas.

A primeira referência documental à construção da Real Fábrica do Gelo data de 1741. Em 1782, iniciou-se uma nova fase de expansão, após obras de ampliação realizadas por um dos mais ilustres proprietários da unidade, o neveiro Julião Pereira de Castro. A fábrica distingue-se de outras estruturas semelhantes na Europa, como em França ou Espanha, pela dimensão das suas geleiras, pelo engenhoso sistema de elevação e armazenamento de água e pelo método de congelação natural, adaptado ao clima ameno da região. O conjunto representa uma das formas mais sofisticadas de produção de gelo antes da era industrial.

A Real Fábrica do Gelo organizava-se em três áreas principais:

  1. Área de Captação e Elevação de água Incluía dois poços, uma casa da nora e um tanque com capacidade para cerca de 151 mil litros, destinado ao armazenamento e distribuição da água para as geleiras. Um segundo reservatório de grandes dimensões complementava o sistema.
  2. Tanques de Congelação ou Geleiras Organizados sequencialmente, estes tanques rasos permitiam que a água circulasse entre as várias geleiras. No período final a fábrica tinha outra área de geleiras. Era nestes tanques que se colocava a água (cerca de 10 cm a 15 cm de altura) a congelar. O gelo era recolhido manualmente ao amanhecer e preparado para armazenamento.
  3. Armazenamento e expedição A área de conservação incluía dois poços principais de armazenamento, um deles com 346 m³ de capacidade, onde o gelo era compactado para evitar grandes perdas. Existia ainda uma sala onde se cortava e embalava o gelo e um terceiro poço onde se armazenava o gelo preparado a ser expedido. O transporte do gelo produzido na Real Fábrica do Gelo representava uma operação logística complexa, sobretudo devido à ausência de vias de transporte rápidas para garantir a distribuição até Lisboa, essencial para garantir o abastecimento da corte e de alguns estabelecimentos da capital, especialmente durante os meses mais quentes. Para atenuar estas dificuldades, a casa real concedia mercês (benefícios ou privilégios) aos profissionais responsáveis pelo transporte, como forma de incentivo e compensação. O percurso iniciava-se na encosta sul da serra de Montejunto, onde o gelo era cuidadosamente acondicionado e preparado para viagem. A carga seguia então por via terrestre até ao cais da Vala do Carregado, prosseguindo via fluvial até Lisboa. A laboração da Real Fábrica de Gelo cessou atividade em 1885, substituída pela industrialização das novas tecnologias de produção artificial de gelo, no entanto, o seu legado permanece vivo. Classificado como Monumento Nacional desde 1997 (Decreto n.º 67/97, Diário da República, 1.ª série, n.º 301, de 31 de dezembro), este notável exemplo do património industrial português é hoje um espaço visitável, inserido numa paisagem de grande beleza natural. Uma visita à Real Fábrica do Gelo é uma verdadeira viagem no tempo — onde história, natureza e engenho humano se encontram num cenário único em Portugal.